domingo, abril 30, 2006

Os sonhadores


Entre o cinema e o ato de sonhar existem muito mais correspondência do que imaginamos. Quando vamos dormir e fechamos os olhos, o sono torna-se soberano, vence-nos e nenhum controle resta-nos sobre esse estado. No cinema, entramos, sentamos e esperamos que as luzes se apaguem, como fazemos quando vamos dormir, e somos subitamente tomados pelas emoções que o diretor organizou, e que, assim como o sonho, também escorrega-lhe e passa a nos pertencer. Sabemos que o filme é um faz de conta, mas por ele somos dominados a um ponto que do nosso interior brotam emoções que nos fazem sorrir ou chorar. A vida é um sonho, disso já sabemos, e nós, os sonhadores. Mesmo que sonhemos conteúdos diferentes, ainda assim não podemos do estado onírico escapar. Bernardo Bertolucci fez um filme que alguns críticos tentaram reduzir a mero estado de nostalgia do diretor, querendo dizer que o cineasta apenas fez apologia de uma época da qual ele sente saudades. Os sonhadores é muito mais que isso. Se estivessem certos, esses críticos ainda assim estariam sendo reducionistas. Bertolucci fez uma grande homenagem sim, mas à revolução sexual e política que os anos sessenta fizeram surgir, além, é claro, de um filme que é uma declaração de amor ao cinema. Theo, Isabelle e Matthew se trancam em um apartamento ( que bem poderia ser um cinema) e tentam viver suas revoluções pessoais, na desrepressão sexual, e, entregues ao jogo de identificação de cena dos filmes por eles vistos, vão pontuando a vida, usando para isso a sétima arte. Enquanto o "pau está quebrando" nas ruas de Paris, (os estudantes tentando fazer a revolução política), os tres vivem uma relação em que os tabus sexuais vão se quebrando. Também bandeira da geração que foi às ruas, a quebra desses tabus é o lado que as barricadas não poderiam mostrar. A grande suruba sexual, coletiva, só poderia se concretizar quando as conquista no campo da política também estivessem concluidas. Mas, é preciso que uma encontre a outra, e para isso é preciso mais ruptura. Os tres personagem vão vivendo a vida como querem, longe dos olhos dos pais ( o estado?) e suas censuras, até que a relação parece se esgotar. O sono chega e domina-os. Eles dormem. Caem no estado de imobilidade, e então Isabelle acorda e começa a preparar o suicídio dos tres. É quando a revolução política encontra a sexual. Uma pedrada, quando o gás está prestes a ser aberto, quebra a vidraça e sacode-os do estado em que se encontravam. Nós, sentados, também em estado letárgico, somos ao mesmo tempo sacudidos em nossas poltronas e sentindo-nos cúmplice daqueles personagens quase que nos levantamos impelidos pelo desejo de também ir ao campo de batalha e gritar: VIVA A ETERNA REVOLUÇÃO. VALEU BERTOLUCCI.

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