domingo, janeiro 22, 2012

A Vida é Bela

Tá na hora de tomar o remédio. Abre a boca e engole. Não quero que você morra ainda, não. A vida é tão bela, não é? Eu me lembro quando meu filho foi morto. Você me dizendo isso. E eu tendo que engolir a morte de meu único filho, e ainda ouvindo isso. Pena que esses moleques escolhem a vida do crime. Foi o que eu ouvi naquela delegacia. Humilhada. Olhada com cara de nojo. Traste sem importância. E ainda quer saber quem matou o filho. Um a menos no mundo. Menos trabalho pra gente. Ficar delegacia cheia de vagabundo. E o meu menino lá no mato. Sem tarja preta nos olhos esbugalhados. Só dezesseis anos. E eu tendo de ouvir que quem morre é quem perde a vida. Pois, que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma. Mateus. Perdeu a vida e nunca ganhou nada. Nas sinaleiras, os bacanas fechavam os vidros. Gritavam. Filho da puta. Vai jogar água na puta que o pariu. Gritavam e ele engolia o sal. Gritos. E quando ele estendia a mão em busca de uma moeda. Vai trabalhar, porra. Gritavam. Quem pariu Mateus que balance. Isso eu sempre soube. Desde que ele nasceu nunca tive facilidade. Fome. Ele mordia meus peitos flácidos sem leite. Me lembro de uma lágrima caindo e ele mexendo a boca e fazendo careta do gosto de sal que caía dos meus olhos. E eu balançava Mateus e mais ele chorava. Agora tou aqui cuidando desse infeliz que não consegue mais comer sozinho. Nenhum parente quis. Ele que se gabava de ser o polícia de melhor pontaria. Começa a vegetar. AVC. Foi o que ele teve. Eu não sei o que é isso. Mas é algo bem ruim. Disse o doutor. Palavreado difícil. Eu não aprendi nem o ABC. Não tive tempo pra estudar. Tive que fazer vida. Foi aí que nasceu o Mateus. Que também não podia ir pra escola. Menino inquieto. Acho que foi fome demais. Nervoso. Arrancava pedaços da parede e comia. Depois começou a catar pedrinhas no chão. Ficava ciscando nervoso e eu ali olhando ele todo sujo. Cortava o coração. Acho que nem tenho mais coração. Deve ser de pedra. Duro. Mas hoje estou aqui cuidando desse infeliz. Limpo a merda que ele faz. Se mija todo, se lambuza de merda. E eu me delicio com toda essa merda. Só pra me vingar da merda que ele fez. Da lembrança dele dizendo na delegacia pra mim que a vida era bela. Falando do meu Mateus. É melhor assim, não vai mais dar trabalho pra ninguém. Eu chorando. Eu que não sabia que a merda toda foi ele quem fez. Foi ele que matou meu Mateus.